Dentro do coração
Sai do curso de webdesign, em altos papos com uma colega, quando chega uma terceira no caminho:
Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio|Que a minha loucura seja perdoada, pois metade de mim é amor e a outra metade também. (Oswaldo Montenegro)
Sai do curso de webdesign, em altos papos com uma colega, quando chega uma terceira no caminho:
Mais uma vez ela está esperando pelo telefonema que não acontece... mais uma formatura que a impede de ouvir a voz de seu amado...
Aquele dia era especial, não o vira no carnaval, ela decidira ir viajar com a familia para aproveitar o convívio dos familiares, de quem passava a semana longe...decidiu chegar na quarta feira de cinzas, mas o seu amor estava trabalhando no regimento, e ela também pegou um engarrafamento e não pode chegar a tempo de vê-lo!Aproveitou a quinta e a sexta mesmo com seu amor cansado, e esperou louca para chegar sábado para poder sair com seu amor com mais calma, afinal, ele não estaria de serviço no domingo, dava para aproveitar!Amanheceu sorrindo flores e cantando a plenos pulmões....louca para chegar a tarde, e ir vê-lo...poder passear de mãos dadas, ir a um cinema, depois quem sabe, ouvir uma música ao vivo, ou simplesmente caminhar na praia...tomara um banho prolongado com aquele sabonete especial, do qual o cheiro sabia que o enlouquecia!Estava dançando sozinha pela sala, quando o telefone a despertou do seu sonho de princesa...era a voz dele do outro lado da linha...a princípio se animara...ele já tinha acordado, e ia buscá-la dentro em breve, mas a notícia a fez desmoronar no sofá, meio atônica:
-Oi, o coronel me chamou, me mandou ir para o regimento, não sei o que ele quer, só falou que tem algo a ver com as armas roubadas ontem, chegando lá te ligo, assim que souber o que vai acontecer, tá!te amo..
Sua voz parecia meio apressada e também surpresa, e desligou correndo o telefone, como quem tem que passar de última hora a farda e ajeitar todos os emblemas e afins...
Ainda sentada no sofá, ela sem acreditar desligou o telefone, louca, para ir até o regimento dele e berrar a plenos pulmões que aquele sábado era dela, e não de uma ação qualquer, principalmente de última hora!Mas não o fez, sabia que fazia parte da carreira dele, e quando começou a namorar com ele, ainda na academia, sabia que teria que enfrentar isso na sua vida!Respirou fundo e foi se distrair com alguma outra coisa.
As horas passavam sem dar tregua ao coração dela, angustiada, via o relogio chegar as 3, as 4, as 5, as 6, e nada de notícias...tentou ligar, mas foi em vão...resolveu se enfiar no chuveiro e esquecer que existia relógio na casa... e também televisão...e ali se deixou ficar, com as lágrimas apertadas, doidas para rolarem livre na face angustiada...enfim, o ruido tão esperado..saiu correndo da sua inércia, e agarrou o telefone, como uma criança agarra o doce predileto depois da refeição....era ele, o coração palpitava...atendeu...só que pela voz do seu amor viu que não teria boas notícias...
-Olha, vou ter que ir para a rua, sabe, vou para o complexo do alemão, e só volto quinta
-Como assim?!Só quinta, você vai para onde?!
-Para o alemão
-E só volta quinta?
-É
-Porque?
-Também queria saber, mas o coronel falou que vai me manter até quinta, ou até acharem as armas
-E você vai ficar na favela?!
-É, por ai, não vou subir, mas vou para a entrada da favela...deixa eu ir, a bateria do celular tá fraca, manda mensagem, para se der, a bateria durar até quinta, beijos...
Ela ficou segurando o telefone nas mãos ainda incrédula com o novo fato...como assim, seu amor estaria correndo risco, se enfiando naquela favela perigosa atrás de 10 fuzis?!Que se danem os fuzis, o mais importante era a vida dele...e a vida daqueles outros 600 homens que enviaram para as outras 6 favelas!Ela voltou para o chuveiro, dessa vez para deixar rolar livres as lágrimas antes reprimidas na esperança de ter um sábado normal, como qualquer outra namorada teria ao lado do seu namorado....mas ela escolhera um militar, sabia dos riscos...mas nessa hora chegou a preferir que ele estivesse servindo numa cidadezinha lá do sul, pelo menos sua vida não correria riscos, pelo menos, saberia que iria dormir tranquila mesmo com ele longe, pois ele estaria numa cama confortável, ou no máximo tirando serviço, e não nessa verdadeira guerra urbana existente na cidade do rio, correndo o risco de perder sua vida...
Deixou-se ficar ali, refletindo sobre tudo....sobrevivera a 4 anos nessa vida louca de aman, e depois o regimento...sabia que seu destino era esse...apoiar o seu amor, fosse onde fosse....e esperar de braços abertos, como um porto seguro, quando ele retornasse...e enfim, acordou para a realidade....pegou o celular e enviou uma mensagem de apoio, de amor, de saudade... e se dirigiu a sua santinha e pediu, pediu para que ela o acolhesse, e evitasse qualquer coisa, e pediu também proteção para os outros 600 homens que como o seu amor estavam na linha de frente, e pediu para acalmar o coração daqueles que estivessem por trás desses 600 homens, que assim como ela, não poderiam fazer outra coisa senão esperar, e rezar para tudo terminar bem!
ps:É meninas,namorar cadete não é fácil, mas depois que eles saem da Aman, caem no mundo, viram aspirantes, e tenentes, e recebem responsabilidades como essas, e nós, teremos que enfrentar muito mais que a saudades!!!Força para todas!!!