1.11.05

Parte e todo

Como numa caixa registradora daquelas antigas, em que os números ficavam rodando até parar em um algarismo, o exército americano notificou ao Presidente Bush: 2000 soldados morreram no Iraque. Parece que o número redondo evoca nas pessoas um impulso para comemoração ou reflexão. Aí elas escrevem livros, criam documentários, editam cadernos especiais nos jornais para relembrar as décadas ou centenários de tudo.


Bush decidiu por um almoço, afinal, ele é um homem prático. Reuniu as esposas dos militares para dizer-lhes que “pela memória dos que morreram, era preciso chegar até o fim”, traduzindo: é necessário que ainda mais militares morram. Como todo momento de memória pede um tom emocional, Bush até deixou os olhos marejarem, fez a voz embargada digna de um Oscar para seu marqueteiro.

Mas a memória mesmo estava no coração de cada mulher. Memória que não continha a celebração de um marco histórico, científico ou tecnológico para a humanidade. Era uma lembrança do dia-dia simples, recordações com voz de “boa noite”, com risos de crianças pulando na cama na manhã de Natal, com cheiro de churrasco em festa de aniversário, com um toque de mãos que puxam para um abraço em dias de frio. Saudade.
Saudade é esse segundo que tenta acontecer e não consegue.

Elas sabiam da possibilidade da morte. As mulheres de um civil podem contar com o imponderável: um acidente ou uma doença, mas nunca esperam que aconteça. Mulher de militar, pelo contrário, sabe dos seus 50% de chance que a sorte lhe reserva. E, por que, então, meu Deus, se lançar num amor que pode ser empurrado para a morte?

Porque amor não bate na porta para perguntar se há vaga para aquele perfil de hóspede que chega. Amor é um tio inconveniente que já despeja as malas na cozinha e sai metendo a mão na panela para pegar a coxinha de galinha. E depois que ele vai embora, percebe-se que já era parte da família e fica a presença de uma ausência.

Se vale a pena, então, esse amor?

Lembro da cena do filme Cidade dos Anjos, em que o anjo, já transformado em homem, ouve a pergunta do outro anjo: “Se sabia que ela era mortal, que podia morrer, por que, então perdeu sua imortalidade para ficar com ela?” Ele responde: “Porque antes tocá-la uma vez, do que toda a eternidade sem ela”.

Bush levanta-se e volta para sua Casa Branca, tem muita coisa importante para fazer, assinar papéis que destinem mais dinheiro para comprar armas, para fazer girar os números na máquina que conta sempre menos um. As mulheres também se levantam e vão para suas casas, pegam seu “John” e sua “Mary” pela mão e continuam educando, levando a escola, protegendo, pois no rosto de cada um ficou a lembrança física de alguém que não está mais entre eles, mas que ficará para sempre. Bush não vai saber nunca qual o valor de nenhum deles, mas elas, ah, elas sim sabem. E a vida segue.

Não importa o
O abraço quente de cada retorno fica na memória. quanto nos chamem de doidas, sofredoras, ou nos rotulem. Nós sabemos muito bem a alegria de quando eles voltam de cada campo para nós. Cheios de carrapato, com caspa, com cortes pelo braço, com calos nas mãos. Não há tempo para dar uma de Barbie, pois a única coisa que queremos é um abraço muito apertado desses loucos, desses homens que para nós sempre vão ser meninos. E aquele hambúrguer com refrigerante parece a melhor comida do mundo ao lado deles, o simples passeio de mãos dadas na rua é quase um evento, tudo porque o que era parte volta a virar todo.p.s: Meninas, para enviar um texto para o blog, basta mandar para: amormilitar@yahoo.com.br. Beijos da Li!

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Lindo li o q vc escreveuuuu lindo mesmo, eu vou escrever tb e mando pro email, estou amando esse nosso blog e as meninnas tb amaram a ideia... beijos linda

terça-feira, novembro 01, 2005 10:07:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

nosssaaaaaaaaaa...tah lindu esse blog...voue screver um textobem lindu pra por ai...rs...bjus....

quarta-feira, novembro 02, 2005 1:39:00 AM  

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